Artigo
Por Alon Feuerwerker, no Correio Braziliense
Seria melhor se os políticos se convencessem de que uma reforma política só se tornará viável, pacificamente, se implicar não a restrição de direitos do eleitor, mas sua ampliação
Esta semana assistiu à enésima morte da reforma política. Mas ela ressuscitará qualquer dia, quando o governo de plantão se vir suficientemente forte para trazê-la de novo à ribalta. Pois a lista fechada (elegem-se para o legislativo os “n” primeiros nomes da chapa definida previamente pelo partido) e o financiamento eleitoral exclusivamente público, num ambiente de estrita fidelidade partidária, são o sonho de consumo de qualquer Executivo.
Entre nós, vende-se há tempos a reforma política como panaceia. Cansado dos sucessivos escândalos no Congresso Nacional? E tome falação sobre a reforma. A suposta urgência dela está presente em 11 de cada 10 pronunciamentos de cientistas políticos. Todo mundo a deseja. Todos lamentam as dificuldades para realizá-la. Curiosamente porém, ela só alcança consenso quando mantida no terreno das generalidades e abstrações. Basta aterrissar na vida prática e a coisa emperra, até ciclicamente chegar a lugar nenhum.
Desta vez, PT e PMDB perceberam que se aliar ao PSDB e ao Democratas contra o resto da base governista poderia não ser boa ideia. Está então adiado o projeto de oligopolizar a política brasileira num punhadinho de caciques donos de legendas financiadas com o dinheiro do contribuinte e dispensadas de praticar um mínimo de democracia interna.
Na tentativa anterior, em 2007, a resistência decisiva veio do PSDB. Mas agora os tucanos estavam ombreados ao PT na força-tarefa para montar o rolo compressor. Coisa de quem já se imagina no poder e estuda os meios para exercê-lo em circunstâncias mais confortáveis. Só que apesar do belo reforço a coisa deu errado de novo. Graças também ao fortíssimo potencial de rejeição popular. O episódio lembra, num grau mais restrito (não chegou a haver um amplo debate público), o plebiscito do parlamentarismo em 1993 e o referendo sobre a proibição da venda de armas de fogo, em 2005.
Nos dois casos, como agora, bastou entrar em pauta o debate sobre a retirada de direitos e nem toda a simpatia de formadores de opinião foi suficiente para evitar o naufrágio da proposta. A reforma política fracassou não por querer incluir o financiamento exclusivamente público, mas por embutir o voto indireto para deputado federal. Voto indireto no Brasil é sinônimo de ditadura.
Essa sinonímia talvez seja principal herança político-cultural da luta contra o autoritarismo, uma marca forte e permanente no imaginário coletivo desde pelo menos a luta pelas Diretas Já.
Isso não é coisa que se apague com água e sabão ou com conversas bonitas. No plebiscito do parlamentarismo, a invencível armada de políticos e formadores de opinião foi a pique quando o eleitor se convenceu de que a essência da proposta implicava retirar do cidadão o direito de votar diretamente para escolher o chefe do governo. Sedimentada essa convicção, não houve argumento que desse conta de desfazer o nó.
No referendo do desarmamento foi igual. Os eleitores votaram para defender sua prerrogativa de um dia comprar uma arma. É muito provável que a esmagadora maioria dos que impediram a proibição de comercializar armas nunca compraria uma. Mas preferiram dar um “alto lá” diante da possível amputação do seu direito.
É previsível que um próximo governo — pois este está no finzinho — tente implementar a lista fechada e o financiamento público por meio de um ato de força, ainda que revestido de legitimidade parlamentar. O que mais há no Brasil é gente querendo trocar o povo quando este não está de acordo com o plano de ação. Mas seria melhor se os políticos se convencessem de que uma reforma política só se tornará viável, pacificamente, se implicar não a restrição de direitos do eleitor, mas sua ampliação.
Mas qual é o político que está interessado em ampliar o poder do eleitor sobre ele?
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